Há exatos dez anos vivi uma experiência que tornou-se o divisor de águas na minha vida pessoal e profissional: participar de um intercâmbio para professores brasileiros nos Estados Unidos. Foram seis semanas puxadas de aulas, deveres de casa e viagens instrucionais pelos arredores de Orlando, na Flórida. Na volta pra casa no Brasil, o maior aprendizado que tive é que, para o bem e para o mal, somos realmente muito brasileiros.
Parece óbvio, mas é quando estamos fora de casa - perto ou muito longe - é que nossas "raízes" se mostram mais fortes. Durante o tempo que passei nos EUA pude sentir o choque cultural em coisas triviais para nós brasileiros/piauienses como chegar no horário marcado.
Numa das viagens em grupo para mergulhar na América Profunda, isto é, visitar locais que não estão nas listas de pontos turísticos, o baque começou bem antes do embarque. No dia anterior, nossa assistente, uma garota gentil e simpática ficou responsável por avisar horário e local da partida: "7 da manhã no estacionamento do dormitório". Para ter certeza de que entendemos o recado, ela perguntou sobre o horário combinado. "Sete horas!", gritaram os 50 brasileiros. "Não! O ônibus sai às sete horas. Vocês tem que estar no local de embarque às dez pras sete!", corrigiu a assistente.
Uma treta recente na internet me fez lembrar da experiência nos EUA. Um grupo grade de pessoas foram proibidos de entrarem no teatro para assistir a peça do ator Antônio Fagundes depois do início. A web se dividiu entre os que defendiam o ator com argumento de minha peça minhas regras, mas teve também que pensasse que ele não foi nem um pingo empático como as cinco dezenas de pessoas que se atrasaram por motivos diversos - afinal estamos no Brasil, um lugar onde a Nasa precisa instalar um laboratório para entender tantas peculiaridades. Já escrevi sobre empatia aqui.
Enquanto a agência do Tio Sam não vem, a gente tenta entender porque temos tanta dificuldade de lidar com horários, acordos, deveres e tantos outros aspectos da vida em grupo. Um bom começo é entender que o Brasil está na lista de países de cultura de alto contexto, isto é, na interação cotidiana o que está implícito tem tanto poder quanto o explícito. No caso do grupo de atrasados, para eles estava implícito que poderiam entrar na peça após o início mesmo que a proibição estivesse explícita no ingresso.
Mas, vem cá... Quer dizer que os atrasados estavam certos? Afinal eles não tem culpa por terem nascido num país da tal cultura de alto contexto...Não é bem assim. Esse é o mesmo pensamento de quem acredita que todo mulçumano é terrorista. Somos todos brasileiros, não desistimos nunca, mas cada qual com seu cada qual.
Jeitinho brasileiro à parte, muito se fala em tornar o mundo melhor, mas isso é uma coisa que podemos deixar para amanhã, afinal se o outro não mudar, eu mesmo é que não vou. Por que mesmo dar bom dia para quem nem conheço ao entrar em algum lugar? Segurar a porta para alguém passar? E agradecer quando alguém faz isso por mim? Deixar de contar aquele bafo inadiável pra colega durante a aula? Me esforçar pra chegar no horário? Tô fora...
Gostava muito de ouvir o Pânico no Rádio, mas morria de pena da Sabrina Sato. O programa começava ao meio dia, mas a apresentadora quase sempre chegava depois e no meio da entrevista do dia. Quando tentava interagir com o convidado, sempre tinha o Bola pra zoar gritando um "Chega cedo! Isso a gente já perguntou!". Não sei se de tanto ouvir a frase, comecei a observar que há grandes vantagens em chegar antes do horário e a principal é poder escolher.
Pode parecer besteira, mas me sinto feliz em chegar no estacionamento do trabalho e poder escolher uma vaga na sombra. Não pegar fila ou no máximo uma fila pequena. Não aparecer na cena do filme enquanto tento chegar na minha poltrona depois do começo da projeção. Escolher a melhor mesa ou a melhor cadeira...
Morro de medo de alguém gritar que a pergunta já foi feita antes de eu ter chegado. Sabe aquela história de mudar o mundo? Pois é, ela pode começar por você tentando respeitar seu tempo ao respeitar o tempo do outro. É uma pequena mudança que pode fazer com que todas as outras aconteçam naturalmente. Vá devagar e quem sabe em pouco tempo você pode estar dizendo um "de nada" bem alto para a pessoa que não lhe agradeceu por ter segurado o elevador pra ela...
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Texto ótimo, tema perfeito. Desculpa o trocadilho... Eugênio, sendo um gênio, rsrs. Beijão bem grande nesse coração lindo.
Amei o texto. Minha visão de mundo também mudou muito com minhas viagens. Mas a rotina a qual estamos inseridos nos acostuma com a falta de educação.
Sua escrita faz o leitor viajar no seu mundo, é um teletransporte instantâneo, parece o jutsu de transferência de mente da Ino Yamanaka do anime do Naruto :D