O período junino sempre deixa saudades quando acaba, mas este ano também deixou o ranço nos arraiás Brasil à fora. O motivo foi a invasão de artistas pop brasileiros nos palcos da cultura popular "tradicional". A mistura do forró pé de serra e eletrônico com música eletrônica, queer music e outros ritmos nada juninos, colocou água no quentão de muita gente.
A cantora Elba Ramalho, um ícone da música nacional e nordestina, se indigno com a presença de DJs de EDM e artistas fora de época nos palcos onde até o ano passado o forró e, no máximo, o sertanejo era o convidado de honra. Elba disse na imprensa que seria melhor rebatizar o São João, principalmente do Nordeste, de festival e não mais de festa junina devido à presença de artistas cuja música parece o bode na sala da festa popular considerada o segundo Natal do brasileiro.
Claro que houve quem defendesse a presença, por exemplo, de Pablo Vittar e seus agudos em meio a quadrilhas e muito forró. Ou Alok e seu Brazilian Bass (abaixo segurando a bandeira de Pernambuco) entre uma zabumba e outra. Gostos pessoais à parte, o que estamos vendo é, por incrível que pareça, um disputa impensável entre a cultura popular "tradicional" e a cultura popular "pop".
Para entender melhor a treta, é preciso fazer uma consulta a um dos meus velhinhos
geniais preferidos - Edgar Morin e sua teoria culturológica. Em resumo, Morin afirma que a cultura de massa costuma reciclar símbolos nacionais e apresentá-los como produtos midiáticos que atendam justamente o desejo do grande público.
Na grande maioria das vezes dá muito certo, mas aí tem o caso Juliete: funkear um baião de Luiz Gonzaga pra virar background de dancinha do Tik Tok foi de um mau gosto nauseante. Também ficou indigesta a presença de DJs e outros ETs em eventos juninos como o tradicionalíssima São João de Caruaru, em Pernambuco.
Sinto uma alegria imensa em estar vivo para assistir de pipoca em punho a treta entre forrozeiros e sertanejos contra estrelas e astros do pop #spotify nacional. A cultura de massa tradicional versus a cultura de massa urbana por assim dizer.
É bom que se diga que a cultura de massa tem seus lugares sagrados e intocáveis (a playlist do São João nordestino é um deles) e, como a massa se renova com o passar do tempo, os produtos também mudam de acordo com o gosto dos clientes, mas misturar feijão com hamburguer talvez não seja uma boa ideia...
O forró e o sertanejo se tornaram a Nova MPB porque seguem tocando o grande público enquanto outros gêneros nacionais não conseguem sair dos nichos onde nasceram
Se olharmos para o passado da música brasileira, vamos lembrar o prestígio do pagode brasileiro. E a genial Música Popular Brasileira e seus medalhões até os anos 2000? O rock nacional também não escapou do arquivamento eterno do público. Para alegria de muitos e tristeza de tantos outros, as prateleiras da música nacional foram respostas com a nova MPB que são, queira você ou não, o sertanejo e o forró. Esses dois ritmos souberam entender a mudança das marés da música nacional e continuar falando a língua do grande público.
Por outro lado, a grande maioria de artistas ditos pop no Brasil se contentam com nichos específicos de público e, talvez pela limitação de interesses ou talento, não consigam furar a bolha na qual cantam ou tocam. Aqui e acolá aparecem nomes com Jão, com seu pop docinho e adolescente que fura a bolha e conquista fãs para além da puberdade. Esperasse que sua música não degenere quando crescer.
Agora imagine aí a estranheza de convidar o fino do forró nordestino - um símbolo do país Nordeste - para uma noite no Rock in Rio... Seria uma revanche no mínimo curiosa. Como disse antes, poderia até dar certo, mas teria tudo para dar muito errado. Há que se respeitar os "lugares sagrados" da cultura de massa para o bem do "tradicional" e do "pop". Até porque a tradição é pop e vice e versa.
Fico aqui, cá com meus botões, pensando se, em alguma vez perdida desta vida, nomes como Elba Ramalho, Alceu Valença, por exemplo, seriam pensados para a Festa do Peão de Barretos...será?!