Na maturidade dos meus 19 anos perguntei a uma professora da faculdade o que ela mais gostava de fazer. "Dormir!", respondeu sem pestanejar. "Dormir?!", insisti descrente. "Vai chegar o dia em que você não vai ter mais tempo pra fazer o que quiser", ela justificou com a calma característica da maturidade.
Minha mãe costumava deixar que eu e meus irmãos acordássemos tarde nos dias sem escola. Ela nos incentivava a sempre curtir a infância porque, segundo ela, esse é o "tempo em que não existe preocupação com nada"... Mamãe costumava, inclusive, reclamar com meu pai quando ele insistia em colocar todo mundo de pé cedo da manhã no fim de semana. Vez por outra ela lembra que meu avô a perguntava se ela deixa que a gente comesse o que quisesse porque amadurecer traz um bocado de privações inclusive alimentares.
Recentemente passei mais uma temporada da série da crise alérgica anual. Meu feriado de Semana Santa teve muita animação: tosse, espirros, noite mal dormida, catarro que dava pra caiar uma casa, sensação da cabeça imersa num pote com água e várias peregrinações à farmácia. Que feriadão! Pra que estar de folga acompanhado de doença? O que eu mais queria era ficar bom a tempo pra curtir o que ainda me restasse dos dias livres. Não deu...
Um dia desses tive que ir ao centro da cidade por volta do meio dia pra resolver um negócio pessoal e intransferível. Todo mundo sabe que só se vai naquele lugar justamente só quem tem negócio. Quem em bom juízo vai encarar o sol a pino, o calor intenso, o trânsito insuportável e falta de vaga pra estacionar? Encarei. Depois de rodar alguns bons minutos, consegui estacionar. Não bastasse todos os contras, meu estômago começou a reclamar. Agora pronto!
Por sorte, o epicentro do negócio que tinha que resolver estava bem próximo e não teria que caminhar muito. No trajeto até o prédio, eis que surge um oásis em meio ao caos no centro da cidade: uma barraquinha de sorvete! Meu Deus! Me apressei em resolver o quiprocó e na volta encostei na sorveteira e pedi uma casquinha. "Casquinha só tem de baunilha..." Com a fome que eu tava podia ser a até de piçarra com areia. Foi a melhor casquinha que comi na vida até ali: o sorvete doce refrescante desarmou meu mau humor, baixou a temperatura, acalmou a fome e o diminuiu o barulho do mundo inteiro ao redor.
Ah tá! Agora um sorvete de baunilha de oito reais faz milagres de oito reais faz milagres... Não só ele, mas toda e qualquer pequena coisa do nosso dia-a-dia que começamos a prestar mais atenção e dar o devido valor. Vai dizer que uma noite bem dormida não vale mais que fritar na boate até de manhã? Ou que feriado com doença não devia contar como dia livre? Ou ainda que não há dinheiro que pague passar o domingão em casa com a família/ o boy / a gata / amigos / etc sabendo que tudo está em paz e no seu devido lugar?
Escrevo esse post na tarde um feriadão em que passei trabalhando em casa para adiantar. Em outros tempos, provavelmente estaria extremamente frustrado por não ter viajado ou não estar de ressaca da balada de ontem... Nesse momento estou feliz da vida porque cumpri a meta e tive tempo pra focar no texto. Olha aí de novo a tal da beleza de uma coisa pequena...
Ainda sobre esse post, o título é uma cópia descarada de um filme do Butão, aquele país onde a felicidade dos cidadãos é uma política de governo. A produção concorreu ao Oscar no ano passado. Em resumo, o roteiro conta a saga de um jovem que deseja se mudar pra Austrália e virar cantor famoso, mas consegue mesmo é ser professor de crianças numa localidade remota e extremamente precária nas montanhas. Em mais da metade da narrativa, o jovem professor vive a frustração de ver seu sonho cada vez mais distante e ainda não conseguir fazer seu trabalho por não dispor das tecnologias da cidade grande.
Não vou contar o fim da estória, mas posso dizer que o que mais de tocou nesse filme - e me fez escrever sobre o tema - é que o jovem butanês descobre que as coisas simples e pequenas são de uma importância e beleza assombrosas quando conseguimos finalmente reconhecer seu valor.
Existe coisa mais valiosa que ter saúde, liberdade, comer o que quiser, gargalhar, ganhar um abraço, uma flor, não ter que acordar cedo pra trabalhar, ter para onde voltar, ir ao cinema, tomar sorvete, brincar com os filhos, aquela cervejinha no final do expediente na sexta feira, etc, etc, etc? A lista das coisas pequenas e belas é enorme e cresce a cada dia em que a gente se conhece mais e melhor a ponto de perceber que só fato de acordar bem pela manhã já é um grande tesouro.
Todas as vezes em que a coisa pesa pro meu lado imediatamente penso nas milhares de pessoas que estão doentes, nos hospitais e nos presídios. "A nossa dor diminui quando encontramos dores maiores que a nossa". As coisas pequenas e belas começam a saltar aos olhos a partir do momento que a gente deixa de olhar pro quintal do vizinho e começamos a olhar ao nosso redor. É simples e valioso.
É por causa desses textos e da sua existência que eu amo você.
Post da saudade, rsrs, e de certezas... a vida continua.