Este não é um texto saudosista. Muito antes pelo contrário: é uma reflexão sobre como mais uma das tradições do carnaval de Teresina transformou-se em numa "micareta" à fantasia com camarote e abadá.
Antes que alguém de acuse de hater, é bom que saiba que sou folião do Corso de Teresina desde criancinha. Acompanhei os desfiles de carros enfeitados pelo centro da cidade - o grande atrativo da festa - desde os anos 1990 até quando, recentemente, a logística para brincar no evento me fez pensar duas vezes se tanto trabalho valia a pena. Comecei a ter preguiça de procurar onde estacionar, levar ou comprar comida e bebida , buscar abrigo em caso de chuva, temer pela segurança, etc..
Para além dos protocolos da festa, hoje o que menos importa no Corso é o desfile de carros. A redução gritante de 400 caminhões - e quase nenhum automóvel de pequeno porte - para pouco mais de duas dezenas de veículos é um sintoma de que a principal estrela da festa está se apagando mais e mais a cada ano.
É inegável que, ao longo dos últimos cinco anos, o Corso de Teresina se transformou em ativo político e produto de televisão. Para tanto foi necessário mudar o trajeto dos carros do centro da cidade e entorno para uma avenida reta, de poucos quilômetros na zona leste (menos perigoso, né? rs) onde o trecho controlado facilita a transmissão de TV e a visão do público nos camarotes.
A camarotização do Corso é um caso a parte; um símbolo de como o evento se tornou uma festa excludente: quem não tem duas Micarinas, contenta-se com a emulação do desfile dos caminhões alegóricos em linha reta pelo arremedo de Marquês de Sapucaí. Já ouvi dizer que tem até abadá para vips ...
A competição pelo melhor caminhão alegórico é o que está matando de verdade a tradição do Corso: a procura por carros de grande porte para o desfile inflacionou o preço do aluguel, decoração e de comes e bebes e - pior de tudo - afastou o folião que enfeitava seu Fusquinha e saía feliz pelas ruas.
Nas últimas edições que participei, percebi uma preocupação em ocupar o público na avenida entre uma passagem de carros e outra - eram tantos que davam um nó na concentração (o Corso tem concentação! Concentração!). No passeio durante o vácuo, vi de tudo: paredões de funk, forró, marchinhas, bandas desfilando pela avenida... O que menos aparecia mesmo eram os caminhões.
Este ano, pelo que acompanhei pelos portais, o número de palcos ao longo do trajeto aumentou - e o número de carros no desfile diminuiu. Nota dez para ideia de oferecer shows de vários estilos musicais com bandas piauienses. Entre um caminhão e outro, é preciso manter o público ocupado ou ele pode ir pra Timon, ou José de Freitas onde o "Corso" se chama Zé Pereira.
Outro sinal de que algo vai mal é o concurso de fantasias para o público. No sábado 15 ficou a impressão de que elas salvaram o Corso. Ótimo para o folião, mas muito ruim para o evento que entrou pro Guinness como o maior desfile de carros decorados do mundo.
Depois de tantas mudanças, seria interessante trocar o nome do maior menor desfile de carros enfeitados. Zé Pereira de Teresina seria um nome interessante. Não dou dois anos para que os foliões excluídos e saudosos criem o Corso da Resistência e levem suas Variants para as ruas do centro de Teresina, cantando e pulando ao som de marchinhas que façam graça da camarotização e micaretização do que já foi uma das melhores festas carnavalescas da capital do Piauí.
PS: Quase fui ao Corso no último sábado, mas a chuva me fez desistir. Não fiz falta na festa, mas não há nada pior do que um evento de carnaval não ser páreo para o boletim do tempo.
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