Ao passo que "Coringa" atinge bilheteria astronômica de cerca de R$ 3 bilhões de reais em todo o mundo, a Globo reprisa as maldades de Nina e Carminha nas tardes brasileiras, enquanto "Malévola" volta aos cinemas para mostrar que ainda é dona da vilania toda.
Juntar quatro personagens tão "aleatórios" assim numa mesma postagem pode parecer com misturar sushi e feijoada, mas Coringa, Malévola, Nina e Carminha não são tão diferentes - pelo menos no que diz respeito às mudanças que a ficção e a teledramaturgia tem sofrido ao longo das últimas décadas.
"Avenida Brasil" é um exemplo de obra de ficção brasileira a apresentar uma mocinha completamente diferente da que o público brasileiro esteva acostumado. NIna (Débora Falabella), pseudônimo de Rita, é tão maquiavélica e vingativa como sua antagonista Carminha (Adriana Esteves).
Embora pequena e frágil, a menina abandonada no lixão cresceu tanto quanto sua raiva, rancor e obstinação para ajustar contas com a mulher que lhe tirou tudo - alguém aí falou em "Revenge"? As vilãs antológicas das novelas globais, inclusive, ganharam um especial no canal Viva.
Nina é a materialização de uma tendência mundial nas heroínas e heróis da ficção influenciada muito em parte pelo esgotamento do perfil do mocinho (a) pomba-lesa que come o pão que o vilão amassou 98% da estória para ser feliz apenas no capitulo final. Cada vez mais vemos protagonistas (e bandidos) mais humanizados permitindo-se desde roubar doce de criancinhas a até mesmo matar alguém.
Maquiavelismo, vingança, rancor, obstinação e muito ódio são o que movem também Artur Fleck até que o homem vista a fantasia de Coringa. O filme de Phillip Todd é um ponto fora da curva na linha do tempo da DC Comics no cinema por preocupar-se muito mais com a estética e o psicologismo do personagem central.
Joaquin Phoenix, num trabalho na frente e atrás das câmeras muito parecido com Gary Oldman em "Drácula de Bram Stocker" (1992), nos mostra um homem perturbado por não conseguir se encaixar no mundo à sua volta. Aos poucos Fleck/Coringa vai mostrando suas psicoses e falta de empatia represadas que logo vão romper e soterrar qualquer resquício de humanidade no ser humano ali encurralado.
O filme é uma obra de arte tanto pela interpretação magistral de Phoenix quanto pela direção de Todd. O impacto desta produção tem sido tanto que já começam a questionar quanto de maldade existe nas boas intenções de Batman em combater o mal.
Já "Malévola" é um caso sintomático da Disney na busca por novos filões de ficção que rendam boa bilheteria. O primeiro filme da franquia foi decepcionante por mostrar um ícone da maldade dos contos de fada fazendo bondade para proteger a princesa a quem serve de "madrinha". Pelo ódio do espelho da bruxa da Branca de Neve, Malévola tem um par de chifres na cabeça, veste um longo preto e um corvo como espião ! - lembrem que cortaram os chifres do Hellboy por motivos óbvios.
Nesta continuação, Malévola (Angelina Jolie) não admite que Aurora (Ellen Faning) se case com o príncipe encantado, o que acaba gerando um confronto entre a feiticeira mais trend dos contos de fada e a família real. Com a continuação da franquia, a Disney assume que os vilões dão sim um bom dinheiro.
Esperemos que a produtora não esqueça de outros perversos como Madame Min, Maga Patalógica, Rainha de Copas, Cruela Cruel, Jafar... Afinal, no peito de todo vilão também bate um coração - azedo como um tomate podre e duro com uma pedra.
Por última, mas não menos importante está Danaerys Stormborn Targaryen (GoT) - que fez churrasco de meia Westeros enquanto seus fiés fãs vibravam enquanto morriam apenas os inimigos da verdadeira rainha do Trono de Ferro.
Ao revelar-se tão ou mais louca e cruel quanto Cersei Lanister, queimando velhos, crianças, animais e qualquer um ao alcance das chamas de seu Drogon, despencou para o fosso dos vilões irremediávies.
Apesar do twist inesperado no personagem que roubou a cena na maior série na história da televisão mundial, Dany ainda mora no coração de milhões de fás que relativizam suas chacinas (este que vos escreve).
O aumento no fascínio pelos vilões e vilãs reflete não apenas um interesse do público por personagens menos idealizados e mais realistas, mas também a esperteza da indústria cinematográfica em perceber que a gente sempre ama ter a quem odiar, nem que seja de mentirinha.
Amei o texto, identifica muito os aspectos de todos os personagens, tanto o lado vingativo, quanto o lado do sofrimento, das mágoas ocorridas, e também mostra o lado psicopata de cada um, como são parecidos, ótimo texto!!
Os personagens são diferentes, não lutam por uma mesma causa. Mas são muito parecidos na psicopatia. Pessoas magoadas, sofridas e vingativas. Muito bem colocado o texto. Ficou maravilhoso!