Você aí que me lê tem alguma mágoa guardada com carinho? Aquela da qual você planeja se livrar dando um troco bem dado ou, pelo menos, pagando na mesma moeda? Tem cuidado de seu pé de "cá te espero"?
Revanche, mágoa e vingança tem o mesmo gosto amargo, mas tem que goste. Pra muitos é prato que se come frio, mas para o chef Slowick (Ralph Fieness - o eterno Voldemort de Harry Potter) trata-se uma refeição com vários pratos de altíssima gastronomia que escondem anos de mágoa delicadamente confitadas em ódio e rancor.
No excelente "O Menu", o cozinheiro estrelado é dono de um restaurante mais do que sofisticado que não oferece apenas comida, mas uma experiência sensorial para um grupo mínimo de clientes previamente selecionados e dispostos a pagar pouco mais de mil dólares para sentar à mesa.
O jantar se inicia pelo traslado dos comensais para a ilha onde o restaurante abre as portas todos os dias somente para o jantar. Na fatídica noite em que se desenrola a ação, o jantar consta de sete pratos cujos ingredientes são produzidos na própria ilha. A cada receita servida, os convidados (e o espectador) vão ficando de boca aberta literalmente. O ápice do cardápio não é nem de longe uma cesta de pães sem pão... Très chic é pouco!
"O Menu" é um dos filmes mais intrigantes da safra de 2022. Fui levado ao cinema justamente pelo título e esperava assistir a uma produção interessante como a grande maioria de filmes sobre gastronomia o são. Fui surpreendido com uma narrativa tensa, rodeada de mistérios e sequências de cenas chocantes e incômodas temperadas com pitadas de comédia.
A atmosfera criada pelo diretor Mark Mylod (Succession, GoT, Shameless) é propositalmente densa. Na tentativa de entender a ação, cheguei a pensar que clientes, chef e equipe fazem parte de algum culto secreto que pratica canibalismo...
Os convidados, por si só, já despertam curiosidade: um foodie e sua companhia que não liga pra gastronomia, um casal de ricaços esnobes e em crise, dois críticos de restaurantes, entre outras figuras bastante peculiares. Apenas um deles não terá que pagar a conta amarga no final da noite...
"O Menu" é uma salada muito bem temperada de crítica aos exageros da gourmetização da comida e seus defensores. Desossa o glamour dos bastidores da gastronomia e seus personagens com egos inflados - a servidão com que os membros da equipe atendem aos comandos do chef, é angustiante. Do sous-chef ao lavador de pratos, todos ali estão dispostos a fazer absolutamente tudo pelo frio e esquisitão Slowick.
O filme, que tem Anna Taylor-Joy (O Gambito da Rainha) Nicholas Hault (X-Men Origins) como atores principais, deixa um retrogosto bom na boca para lembrar que cinema não é apenas Marvel e DC e sim um arte que está sempre propondo uma discussão sobre a condição humana. Sob pro mezanino com louvor.
"O Menu" está disponível no Star Plus.
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